A Síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio neurológico marcado por tiques motores e vocais involuntários que desafiam os limites do comportamento humano controlado. Entre suas manifestações mais polêmicas está a coprolalia, um tique raro, mas impactante, que resulta na vocalização involuntária de palavras ofensivas ou socialmente inaceitáveis. Embora afete menos de 20% das pessoas com Tourette, a coprolalia carrega estigmas e desperta curiosidade: o que leva alguém a dizer o indizível?
Segundo o neurocientista Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, os xingamentos involuntários na Tourette podem ser compreendidos como um reflexo neural de pensamentos ou impulsos que todos nós temos, mas que, normalmente, conseguimos suprimir. No entanto, para os pacientes com ST, essa capacidade de controle é comprometida, expondo a face bruta da condição humana.
Um espelho do que reprimimos
A teoria do Dr. Fabiano de Abreu sugere que a coprolalia não é aleatória. Ela emerge de um cérebro em que os mecanismos de inibição estão disfuncionais. “Todos nós, em algum momento, experimentamos pensamentos de raiva ou frustração, muitas vezes acompanhados de palavras que jamais ousaríamos pronunciar em público. Na Síndrome de Tourette, essas palavras escapam porque o ‘freio’ cerebral, localizado no córtex pré-frontal, não funciona adequadamente”, explica o neurocientista.
Essa ideia é sustentada por estudos que associam a coprolalia à desregulação do circuito córtico-estriato-talâmico-cortical, uma rede neural que controla impulsos e regula o comportamento social. Alterações nos gânglios da base e no córtex orbitofrontal, duas regiões críticas para o controle comportamental, também estão diretamente ligadas à condição.
O papel do cérebro e dos neurotransmissores
Na ST, o desequilíbrio químico do cérebro desempenha um papel central. A dopamina, neurotransmissor responsável por regular movimentos e impulsos, apresenta hiperatividade em pacientes com Tourette, facilitando a expressão dos tiques. Outras substâncias, como o GABA, que inibe respostas neuronais, e a serotonina, que modula o humor, também apresentam alterações.
Além disso, o córtex pré-frontal, dividido em sub-regiões como o córtex dorsolateral, ventromedial e orbitofrontal, tem um papel crucial. Ele atua como um “filtro”, impedindo que impulsos inapropriados sejam verbalizados. Em pacientes com Tourette, esse filtro está enfraquecido, permitindo que os impulsos cheguem à superfície.
O que isso revela sobre o comportamento humano?
A teoria de que a coprolalia pode ser um reflexo do que reprimimos nos obriga a refletir sobre a natureza dos pensamentos humanos. Por que pensamos em palavras ou ações hostis, mesmo sem motivos claros? Segundo o Dr. Fabiano de Abreu, esses impulsos são parte da dinâmica emocional humana, enraizados em regiões do cérebro como o sistema límbico, que processa emoções intensas como raiva e frustração.
“O que diferencia as pessoas com Síndrome de Tourette das demais não é a presença desses pensamentos, mas a incapacidade de controlá-los. Todos temos impulsos, porém contamos com um sistema inibitório eficiente, liderado pelo córtex pré-frontal, que impede que tais pensamentos se transformem em palavras ou ações. No caso da Tourette, o filtro falha, permitindo que os xingamentos escapem”, explica o Dr. Fabiano de Abreu.
Essa ideia não apenas desmistifica a coprolalia, mas também a coloca em um contexto mais humano, mostrando que a linha entre o controle e a desinibição pode ser tênue.
A complexidade da coprolalia
Apesar de ser amplamente associada à Tourette, a coprolalia é uma manifestação rara, com prevalência em menos de 20% dos casos. Estudos apontam que ela ocorre com maior frequência em pacientes com sintomas mais graves e comorbidades como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A coprolalia também costuma se manifestar durante a adolescência, um período em que os circuitos cerebrais de controle ainda estão em desenvolvimento.
A coprolalia não é limitada a palavras ofensivas. Ela pode incluir frases ou sons repetitivos com forte carga emocional, destacando o papel do sistema límbico e do córtex orbitofrontal na escolha dessas vocalizações.
A importância da conscientização
Para o Dr. Fabiano de Abreu, entender a coprolalia como um sintoma neurológico involuntário é essencial para combater o estigma e promover a inclusão de pessoas com Tourette. “Os xingamentos não refletem a personalidade ou os valores da pessoa, mas sim uma condição neurológica que está fora de seu controle. O julgamento social muitas vezes agrava o sofrimento desses pacientes, que já enfrentam desafios significativos no dia a dia”, destaca.
O tratamento da Síndrome de Tourette pode incluir abordagens farmacológicas, como o uso de medicamentos para regular a dopamina, e terapias comportamentais que ajudam os pacientes a lidar com os tiques. No entanto, a conscientização e a empatia são igualmente fundamentais para criar um ambiente de acolhimento.
Um olhar mais humano
A proposta do Dr. Fabiano de Abreu nos convida a enxergar a coprolalia e outros sintomas da Síndrome de Tourette como janelas para o funcionamento da mente humana. Ela nos lembra que, por trás do comportamento que consideramos “normal”, há uma complexa rede de impulsos e filtros que moldam nossas ações.
“O que a Tourette nos mostra é que somos todos impulsivos em algum nível. A diferença está no controle. Enquanto a maioria de nós pode conter os impulsos, aqueles com Tourette são expostos à sua vulnerabilidade de forma visceral. Isso nos desafia a olhar para eles com mais empatia e menos julgamento”, conclui o Dr. Fabiano de Abreu.
Sobre o CPAH
O Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH) é uma instituição dedicada à produção de conhecimento científico e ao avanço das ciências cognitivas e neurocientíficas. Sob a liderança do Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, o CPAH busca promover uma melhor compreensão do comportamento humano, oferecendo soluções práticas para os desafios da sociedade contemporânea.
O trabalho desenvolvido no CPAH abrange não apenas a compreensão teórica dos fenômenos neurocientíficos, mas também a aplicação prática desses conhecimentos em diferentes campos, como a educação, a saúde mental e o comportamento social. A pesquisa liderada pelo Dr. Fabiano de Abreu sobre a Síndrome de Tourette e a coprolalia é um exemplo claro de como a ciência pode desmistificar condições complexas e contribuir para uma sociedade mais inclusiva.
Perspectivas futuras
A compreensão dos mecanismos cerebrais por trás da coprolalia ainda está em desenvolvimento, mas avanços significativos têm sido alcançados com o uso de tecnologias como neuroimagem funcional e genética molecular. Esses estudos ajudam a identificar os circuitos neurais específicos e os genes envolvidos, possibilitando o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.
“O futuro da pesquisa em Tourette passa pela personalização do tratamento, combinando abordagens farmacológicas com terapias comportamentais baseadas em evidências. Intervenções como estimulação cerebral profunda estão sendo exploradas para casos graves, oferecendo esperança para pacientes que não respondem a métodos convencionais”, explica o Dr. Fabiano.
A educação da sociedade sobre o que é a Síndrome de Tourette e, especialmente, sobre a natureza involuntária dos sintomas como a coprolalia, é um passo essencial para reduzir o estigma e criar ambientes mais compreensivos e acolhedores.
Uma mensagem de empatia
A reflexão do Dr. Fabiano de Abreu nos leva a enxergar a coprolalia e outros aspectos da Síndrome de Tourette com uma nova perspectiva. Mais do que um simples sintoma, esses comportamentos nos revelam a complexidade do cérebro humano e sua relação com os impulsos emocionais. “Ao compreender melhor o que está por trás da Tourette, nos tornamos mais capazes de oferecer apoio e dignidade aos que convivem com essa condição. É um chamado à empatia, à ciência e à humanidade”, conclui.
No CPAH, seguimos empenhados em transformar conhecimento em ação, contribuindo para um mundo mais inclusivo e informado. Afinal, a ciência não apenas explica, mas também conecta e humaniza.
Publicado pelo CPAH – Centro de Pesquisa e Análises Heráclito
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