Mais de 500 presos trabalham para empresas privadas e órgãos públicos em Mato Grosso
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Mais de 500 presos trabalham para empresas privadas e órgãos públicos em Mato Grosso

Contratação de presos é vista como vantajosa pelo empregador, pois não precisa pagar férias, o 13º salário e nem recolher o FGTS. Secretaria de Segurança Pública quer ampliar parcerias com empresas privadas para mão de obra de presos.

O trabalho desempenhado no sistema prisional tem vantagens tanto para o preso quanto para quem contrata. Os reeducandos que trabalham recebem salário, podem poupar e tem a pena diminuída. Atualmente, em Mato Grosso, são 578 reeducandos trabalhando no estado, em empresas privadas e órgãos públicos.

Dos 578 reeducandos que estão trabalhando com remuneração, 424 são do regime fechado – aqueles que cumprem pena dentro das penitenciárias – e 154 do regime semiaberto – os que cumprem pena fora das unidades prisionais. São 501 homens e 77 mulheres.

Segundo a Fundação Nova Chance (Funac), o custo com a mão de obra de um preso é menor que a de um trabalhador formal registrado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), portanto é vista como vantajosa pelo empregador. Ambas as formas de contrato são estabelecidas em lei.

Os dados do último levantamento feito pela Fundação em 2018 mostram que um reeducando do regime fechado ganha R$ 1.203,40 e o do regime semiaberto, R$ 1.479,40, enquanto o trabalhador formal receberia em torno de R$ 1.831,32 pelo mesmo trabalho desenvolvido.

A forma de contratação dos reeducandos está prevista na Lei de Execução Penal, a qual garante ao contratante a isenção de encargos trabalhistas e vínculos empregatícios. O empregador fica isento de pagar as férias, o 13º salário e de recolher o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além de outros impostos que incidem sobre folha de pessoal e de pagamento obrigatório.

Contudo, a média da diferença salarial entre a mão de obra do reeducando e do trabalhador formal pode variar em torno de R$ 350 a R$ 625, que é correspondente ao valor de impostos isentos ao mês. No entanto, é dever do empregador arcar com a alimentação, transporte e a remuneração integral que obrigatoriamente não pode ser inferior a um salário mínimo.

A remuneração é dividida em três partes. A primeira é entregue ao preso, a segunda para a família e a terceira é depositada em uma conta poupança pessoal. O acesso ao dinheiro depositado em conta bancária é restrito ao preso do regime fechado, que é permitido acessar quando estiver fora da prisão, e o do semiaberto não há restrição, podendo acessar quando for necessário.

Além do recebimento de salário pela mão de obra prestada, a oportunidade de ressocialização e o aprendizado de um ofício que pode ser uma chance de trabalho depois de sair definitivamente da cadeia, o reeducando é beneficiado com a remição de pena. A cada três dias trabalhados, um dia é diminuído na pena. A redução é prevista em lei e autorizada pelo juiz da Vara de Execuções Penais.

Dinalva Oriede da Silva Souza, presidente da Funac, disse que a entidade busca oportunidades de contribuir para formação profissional dos reeducandos, para que eles obtenham progresso pessoal através da ressocialização e que tenham mais chances dentro da sociedade civil e se tornem pessoas melhores.

“Trabalhamos para ajudar o reeducando a sair melhor do que quando entrou no sistema penitenciário. O resultado mostra que por meio do trabalho eles têm menos chance de voltar a praticar crimes. Precisamos que a classe empresarial se sensibilize e dê oportunidades para essas pessoas que estão tentando melhorar, e o preconceito contra eles só aumenta”, declarou.

Fábrica de concreto

Um exemplo dos trabalhos desenvolvidos pelos reeducandos no estado é a produção de peças de concreto utilizadas na construção civil. Foram instaladas duas fábricas dentro do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Lucas do Rio Verde, a 360 km da capital, sendo uma de propriedade pública e outra privada.

As duas fábricas empregam juntas 27 reeducandos. O trabalho produzido por eles é utilizado pela prefeitura da cidade nas obras urbanas e também vendidas pela região. No ano passado, a produção de peças pelos presos foi de 160 mil artefatos de concreto, como pavers, blocos e manilhas.

O trabalho feito enquanto estava preso rendeu a Julio Cesar Antunes Batista, de 43 anos, a garantia de emprego quando deixou a prisão.

Ele trabalhou um tempo quando estava preso e depois recebeu a proposta para ser contratado com carteira assinada.

Tem 1 ano e 8 meses que ele trabalha com limpeza urbana na capital. Ele se diz muito feliz com a oportunidade que recebeu por meio do projeto de ressocialização e depois pela empresa que presta serviço público que o contratou como trabalhador formal.

“Estou muito feliz com a chance que tive e minha vida mudou completamente, pois as pessoas confiam em mim. Foi a melhor coisa que me aconteceu e vou aproveitar”, disse.

Cultivo de teca

Na Penitenciária de Água Boa, a 736 km da capital, 39 reeducandos do regime fechado foram empregados por uma empresa que atua no cultivo, corte e comércio da teca – uma espécie de árvore que serve para extração de madeira para carpintaria.

Um ônibus da empresa conduz os presos até a plantação diariamente e os leva de volta para a cadeia. Eles recebem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) durante o trabalho.

Em Água Boa, presos trabalham no cultivo de teca — Foto: Sesp-MT/ Assessoria

Em Água Boa, presos trabalham no cultivo de teca — Foto: Sesp-MT/ Assessoria

A prefeitura da capital emprega cerca de 70 reeducandos, entre homens e mulheres. O trabalho desempenhado por eles é na área urbana. Eles realizam a limpeza de lugares públicos e a pintura de passeios públicos, a poda de plantas em canteiros e a jardinagem no entorno da cidade.

Parcerias com o setor público e privado

Atualmente, existem 30 contratos para o emprego de reeducandos, sendo 12 com empresas privadas e 18 com órgãos públicos.

Entre os órgãos públicos estão a Secretaria Estadual de Fazenda (Sefaz), a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), a Associação Cultural Cena Onze, Defensoria Pública Estadual e algumas prefeituras, como a de Cuiabá, Lucas do Rio Verde, Cáceres e Rondonópolis.

A Fundação Nova Chance foi criada a partir da Lei Complementar Estadual nº 291/2007 e institucionalizada pelo Decreto 1.478, de 29 de junho de 2008, vinculada à Sesp. A Funac tem formado parcerias com outras instituições estaduais e federais, empresas privadas e com a sociedade civil.

O objetivo é a reinserção ao convívio social de pessoas que estão privadas de liberdade e de reeducandos que saíram do sistema penitenciário, dando auxílio aos presos para que possam ter recuperação psicossocial e contribuindo para assistência familiar.

Segundo a Funac, as ações visam a melhoria das condições de vida dos presos por meio da elevação social, moral, física e familiar, prepará-los para o desenvolvimento da sociedade, oferecer cursos de qualificação com a finalidade de profissionalizar e inseri-los no mercado de trabalho durante e após o cumprimento da pena.

Presos trabalham em marcenaria no Centro de Ressocialização de Cuiabá — Foto: Davi Valle/Sejudh-MT

Presos trabalham em marcenaria no Centro de Ressocialização de Cuiabá — Foto: Davi Valle/Sejudh-MT

Dentro e fora das unidades

Há diferença entre os trabalhos desenvolvidos pelos presos. No trabalho intramuro, o reeducando não recebe salário, mas tem direito à remição de pena pelo trabalho ou estudo realizado. O preso também precisa atender alguns critérios, como ter bom comportamento e não ter cometido infrações disciplinares.

Dentro das unidades prisionais, os presos trabalham em oficinas de corte e costura, serralheria, marcenaria, horta, artesanato e até na fábrica de artefatos de concreto.

Para que possa trabalhar em atividades extramuros, o preso do regime fechado precisa atender a alguns critérios, como ter bom comportamento e não estar em sanção disciplinar. Também é levado em consideração o tipo de crime, tempo de progressão de regime e as atividades internas já desempenhadas.

A avaliação se o preso estará apto ao trabalho externo é feita por uma comissão multidisciplinar das unidades penitenciárias. Posteriormente, os aprovados são encaminhados ao juiz da Execução Penal para autorização.

Um a cada 20 presos trabalham e são remunerados, na modalidade extramuro. O percentual de presos assalariados trabalhando é de aproximadamente 5%. No sistema prisional encontra-se cerca de 12,5 mil pessoas encarceradas, sobre a custódia do estado.

Proposta em tramitação

Está em tramitação no Senado um projeto de lei que propõe que os presos sejam responsáveis pelas despesas geradas no sistema prisional. Enquanto estiver cumprimento de pena sob a custódia do estado, o detento deve pagar pelos gastos.

O ressarcimento deve ser feito, conforme a proposta, com recursos próprios ou com trabalho. A proposta altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 de Execuções Penais, e deverá passar pelo plenário do Senado e pela Câmara dos Deputados, antes de seguir para a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).

Pelo texto, os presos que não tiverem dinheiro para custear as despesas deverão trabalhar durante o cumprimento da pena e ter o valor descontado do salário. O valor a ser descontado do salário não poderá ultrapassar um quarto do que o preso receberia. O trabalho de presos já é previsto na legislação em vigor no país.

O projeto ainda determina que os presos que não conseguirem pagar pelas despesas deverão ser cobrados nos mesmos moldes da cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. Se ao final do processo o preso for absolvido, os valores que foram pagos por ele serão devolvidos. O PL é de autoria do ex-senador Waldemir Moka, de Mato Grosso do Sul (MS).

Ampliação do trabalho

O secretário-adjunto de Administração Penitenciária da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), Emanoel Alves Flores, contou que MT ocupa o 3º lugar em intermediação de mão de obra de presos.

A Sesp está com um processo de chamamento público para buscar empresas para se instalar no estabelecimento penitenciário e contratar reeducandos, tanto para atividades intramuros quanto extramuros.

Uma cooperativa em Nova Mutum, a 269 km da capital, contrata os reeducandos, mas eles são estabelecidos como cooperados e não contratados, pois, além do recebimento do salário pela mão de obra, eles recebem parte do lucro da empresa. Além destas duas formas, intramuro e extramuro, o chamamento público vai contribuir na ampliação de oportunidades de trabalho para os reeducandos.

O secretário-adjunto explica que, de forma geral, há resistência e preconceito por parte de empresas em contratar a mão de obra dos reeducandos, porque existe o pensamento de que o preso está no cárcere e nunca mais vai sair. Mas no Brasil não se tem pena de morte ou prisão perpétua e em determinado momento o reeducando irá retornar para o convívio social.

Portanto, o reeducando pode estabelecer vínculos e dar continuidade ao trabalho ou ter outras oportunidades.

“A falta de conhecimento faz com que a classe empresarial não contrate a mão de obra de pessoas dentro do sistema prisional. Temos vários exemplos de frente de trabalho em que a reincidência é zero, comprovando realmente que o trabalho e a educação modifica a vida dessas pessoas que em algum momento da vida não tiveram oportunidades. Alguns custodiados não têm interesse, mas muitos buscam alguma oportunidade como se fosse a última chance e não retornam a cometer crimes”, afirmou.

Número ainda é baixo

O professor universitário e advogado criminalista, Giovane Santin, que é coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre o Grande Encarceramento da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), afirma que, se existe oportunidade de trabalho ao preso prevista em lei, então deve ser gerada.

Contudo, o percentual de presos trabalhando ainda é baixo. Ele avalia que o índice é resultado de vários fatores, como a ausência de vagas para os presos, falta de interesse dos próprios presos, falta de encaixe nos requisitos necessários pelo estado, entre outros.

Sobre o projeto de lei que obriga os presos a custear a própria despesa de encarceramento, ele avalia que, se os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) fossem aplicados adequadamente, muitos problemas poderiam ser evitados no sistema prisional.

“O projeto de lei me parece cheio de inconstitucionalidade e inconvencionalidade na medida que a Constituição da República e Tratados Internacionais que o Brasil é signatário vedam o trabalho forçado, razão pela qual nenhum preso pode ser obrigado a trabalhar para pagar pelo cumprimento da pena”, declarou.

Por outro lado, ele explicou que a Lei de Execução Penal dispõe que o produto da remuneração pelo trabalho do preso deverá atender à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios.

“Por isso, é muito importante que o Poder Público dê efetividade ao que já existe sobre o tema para posteriormente criar mais dispositivos legais direcionados para a execução da pena”, enfatizou.

Comissão está percorrendo várias unidades prisionais — Foto: TJMT/ Assessoria

Comissão está percorrendo várias unidades prisionais — Foto: TJMT/ Assessoria

Diagnóstico do sistema prisional

Uma comissão do Tribunal de Justiça (TJMT) está percorrendo os centros de detenção de todo o estado para fazer um diagnóstico do sistema prisional de Mato Grosso. O objetivo é mostrar a importância da inserção dos reeducandos no mercado de trabalho para as autoridades e ampliar o número de oportunidades para quem está no cárcere. O cronograma vai de julho a novembro.

De acordo com o desembargador Orlando Perri, a sensação de impunidade não é mais tolerada pela sociedade e a criminalidade está sendo arduamente combatida no dia a dia. Na avaliação dele, os criminosos que são considerados altamente perigosos devem permanecer presos, contudo os que querem uma chance para mudar de vida devem encontrar através das oportunidades oferecidas.

Com baixo grau de instrução, presos estudam;imagem é da cadeia pública de São Félix do Araguaia — Foto: Sesp-MT/ Assessoria

Com baixo grau de instrução, presos estudam;imagem é da cadeia pública de São Félix do Araguaia — Foto: Sesp-MT/ Assessoria

Cerca de 90% da população carcerária não possuem formação de educação básica. Essa condição dificulta a reinserção dos presos ao mercado de trabalho quando deixam as cadeias após o cumprimento da pena.

Dados da Coordenadoria de Planejamento (Coplan) do TJMT apontam que o estado possui 12.453 reeducandos para 6.329 vagas disponíveis pelo sistema prisional. Do total, 51% são presos provisórios, que estão aguardando julgamento.

Segundo Perri, as prefeituras municipais podem dar oportunidades aos presos, pois devido aos incentivos fiscais na contratação de mão de obra dos reeducandos, o órgão não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por causa sobre da isenção de encargos sociais e trabalhistas.

O Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Sistema Carcerário do TJMT está realizando visitas aos 12 polos judiciais do estado.

A comitiva é formada por autoridades de vários órgãos.

Fonte | G1

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