Os paresis movimentam cerca de R$ 50 milhões nas duas safras, em parceria com agricultores da região. Cultivo começou há 15 anos, mas até hoje não tem aval dos órgãos públicos.
A tribo dos índios paresis, no Mato Grosso, não vive só de tradições. Há 15 anos ela entrou no agronegócio e está cultivando 10 mil hectares de soja com investimento pesado.
Do plantio à colheita, só neste ano, ela deve movimentar algo em torno de R$ 50 milhões nas duas safras. Mas ainda esbarra em questões polêmicas: até hoje os órgãos públicos não entraram num acordo sobre a liberação dessas grandes lavouras.
O território paresi tem hoje uma população aproximada de 3 mil índios. Eles estão divididos em 63 aldeias distribuídas em 1,3 milhão de hectares onde mais de 95% é de cerrado nativo.
O cultivo é alternado: soja no verão, milho, feijão e o girassol, no inverno.
De tudo o que é colhido, o valor correspondente a 3 sacas por hectare é destinado tanto aos que trabalham quanto os que não atuam diretamente nela. No ano passado, o total distribuído chegou a R$ 2,7 milhões.
Índios vivem conflito entre tradição e mudança no Mato Grosso
Necessidade e vocação
Segundo um dos líderes mais engajados na defesa desse tipo de produção nas terras do seu povo, o agronegócio por aqui surgiu numa mistura de necessidade e vocação. Ele explica que o cultivo das lavouras trouxe de volta os índios que estavam trabalhando em fazendas vizinhas.
“Com a implantação desse projeto aqui dentro nós trouxemos 180 indígenas imediatamente para trabalhar dentro do território”, diz Arnaldo zunizakae Paresi.
Mas o início do agronegócio nessas terras também foi um momento de muita tensão. Na época, nenhum órgão público autorizou a abertura das áreas. Mesmo assim, os índios forçaram o plantio e a Funai tentou barrar a produção.
“Nós viemos, paralisamos o início das atividades. Os índios ficaram revoltados e prenderam a equipe até o presidente da Funai aparecer para poder nos soltar”, lembra Carlos Márcio Vieira de Barros, técnico da fundação.
A partir daí, foram estabelecidas parcerias entre os índios e os agricultores da região.
Sem licença
A produção deslanchou, mas as questões ambientais continuaram.
“O Ibama nunca autorizou esse plantio, nunca licenciou a área”, diz o técnico da Funai.
Na prática, segundo Barros, isso significa que os índios ficam anônimos nessa situação: o agricultor vende a safra como se fosse dele.
Nesses 15 anos de cultivo de grandes lavouras também foram cometidas irregularidades, como o arrendamento das áreas e o uso de transgênicos, práticas proibidas em se tratando do cultivo nesse tipo de território.
Multas ultrapassam R$ 140 milhões, a maior parte destinada a 17 produtores rurais e o restante, para 5 associações indígenas.
Segundo o Ibama, eles contrariaram as normas previstas na Constituição tanto no que se refere ao estatuto do índio quanto à lei florestal.
Os índios reconhecem o erro. “Dentro da terra indígena paresi, eram 9 contratos de parceria. Então, boa parte delas seguiu corretamente. Outra parte, infelizmente, partiu para a prática do arrendamento”, explica Arnaldo zunizakae Paresi. “Alugam a terra e ficam esperando o resultado chegar sem fazer esforço, sem adquirir conhecimento, sem participar do trabalho.”
O presidente do sindicato rural de Campo Novo do Paresis, que representa 183 produtores, acredita que os agricultores provavelmente sabiam que arrendar terra indígena é proibido.
Sobre a falta de licença ambiental, Antônio Brólio afirma que eles já têm uma liberação. “Pode ser não estar no papel, mas os órgãos públicos já liberam eles para fazer esse plantio.”
Numa tentativa de regularizar essa atividade nas suas terras, os paresis criaram uma cooperativa no ano passado, a fim de chamar para si a compra de insumos, a venda da produção e os contratos bancários. Mas há dificuldades para acesso ao crédito.
O que diz a ministra
Historicamente, a produção em escala dos paresis nunca foi escondida. Tanto que, recentemente, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, visitou a reserva e discursou em prol da grande lavoura.
“Eles são brasileiros como nós. Então, precisam ter as mesmas regras, as mesmas leis para todos. São produtores rurais. Não interessa são índios, se são japoneses, se são gaúchos, se são matogrossenses… São produtores rurais”, disse ela.
Restrições legais
“Eu acho que o caminho não é o agronegócio”, afirma Antonio Carlos Bigonha, subprocurador da República que coordena a câmara dos indígenas e das comunidades tradicionais.
“Porque, quando a constituição fala de posse, fala da posse tradicional. Então, isso remete a uma agricultura que tem uma ligação com as raízes culturais da comunidade”, explica.
“Nós estamos dentro de uma terra indígena que não é uma reserva de preservação ambiental, não é uma área de preservação permanente”, rebate Deoclécio zalaizukaê Paresi. “É uma terra indígena onde a legislação dá direito do índio trabalhar nessa terra, sim. E eu acredito que não possa obrigar o índio a fazer uma agricultura primitiva.”
Fonte | G1
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